Ontem, tive a grata surpresa de encontrar zanzando por estas bandas um amigo de adolescência.
Barto é o nome dele. Não o de batismo oficial, 'eco vero', como ainda costuma dizer, e sim o da vida social.
O cara foi sempre uma figura. Lembro-me que Barto foi _ seguramente ainda o é _ o pior boleiro com quem tive o prazer de compartilhar o mesmo time no meu tempo de mocidade.
Impagável a sua imagem dentro do campo de futebol no campeonato do bairro : Olhar estrábico, um olho no peixe e outro no gato como se dizia, fita na testa prendendo a vasta cabeleira, ao estilo Caniggia, jogador argentino de quem era fã, uma munhequeira em cada um dos punhos, magricela buchudo de pernas arqueadas, calçando uma chuteira cor verde-cana. Parecia, na verdade, um personagem saído da criatividade de Chico Anysio.
Suas pernas longas, finas e tortas renderam-lhe um outro apelido : 11 torto ou onze de analfabeto.
Mas toda pinta de craque marrento se esvaia ao primeiro toque na bola. Ainda Assim, boçal, não perdia a compostura, abaixava o meião deixando as caras caneleiras de marca famosa à mostra, antes de reclamar com o juiz da falta não marcada. As canelas de sabiá, lisas, levavam a torcida feminina à loucura à beira do campo.
Como era o cara criação, homem da zona de pensamento, titular absoluto da camisa 10, sobrinho preferido do treinador e dono do time, talvez seja a explicação dos fracassos seguidos do Potyguar E. C. até a sua extinção. Não há comprovação científica, mas a a única vez que que ganhamos um torneio, Barto não estava presente em campo.
Contraíra caxumba. Ainda assim , a muito custo um professor nosso, metido a psicólogo, conseguiu convencer-lhe que a caxumba poderia descer para os escrotos, deixando-o menos varonil, caso persistisse em querer jogar bola naquele momento.
Barto não foi. O time se uniu e venceu o torneio em sua homenagem. Consciente de sua importância, ele se recuperou e nunca mais saiu do time. Só, e somente só, por pura coincidência, o Potyguar E.C não soube mais o que era título.
Agora, Barto está um pouco mais barrigudo e com bem menos cabelos, mas as pernas continuam tão tortas como a de um alicate.
"_ Fala aí, Papa-arroz ! Zagueirão ! Ainda vivo, macho ? " gritou ao me reconhecer. " Papa-arroz" foi como sempre me chamou . O motivo ? Ignoro completamente e nunca me interessei por saber.
No pouco tempo que conversamos me relatou que se formara em educação física e veterinária, mas que estava na cidade como representante comercial, sua verdadeira vocação.
"_ Segui os conselhos da mamãe que me disse : menino vai estudar para ser alguém. Agora aqui nesta cidade acabei descobrindo que não sou alguém , sou outra pessoa"
Como assim ? Perguntei.
-" É que foi fazer uma visita a um empresário local. Ele só me olhou de longe. Fechou a porta do escritório e pouco tempo depois a sua secretária veio me avisar que naquele dia ele não atenderia ' sêo ninguém '..."
Eu não perdi a deixa : _ Então somos parentes, porque eu também estudei, continuando estudando e sou considerado Zé-ninguém. Somos da família dos " Ninguéns".
Sêo Ninguém e Zé-ninguém continuaram tomando suas cervejas e pondo o papo em dias. Mesmo sendo ninguém a gente consegue ser feliz em poder respirar sem doer e sem perdemos o bom humor.
Sem a bola nos pés Barto continua um craque na vida, esta que nos ensina a custo de muito caneladas, algumas doloridas por demais a criar calos para as próximas.
E usando grossos anéis brilhantes e cordão de garimpeiro, Barto continua boçal, na boa gíria do bom sentido.
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