sábado, 4 de dezembro de 2010

Não pense enquanto se anda


 


Caminhava por uma determinada via pública de nossa outrora pacata cidadela e presenciei quando um veículo , guiado por  um pacato cidadão, foi impedido de trafegar normalmente na pista de rolagem  _ feita , até que me provem o contrário, pelo poder público para  esse objetivo _ porque um grupo de pedestres  caminhava lado a lado, tomando toda a mão da pista, quando o educado  seria em "fila indiana".

" _ Passa por cima, nêgo véi !" , respondeu ,desafiador, um dos pedestres ao ato pacato da buzina do motorista , que só queria seguir em frente ( o motorista,o carro e também _ por que não ? _ a buzina.). 

Da cena faço ilações. Percebi que vivemos em uma cidade sem calçadas , a despeito de termos " o melhor prefeito de todos os tempos até 2012". Talvez seja porque fazer calçadas não seja da alçada da prefeitura, portanto, não seria um critério objetivo para avaliação em busca do prêmio de "o melhor dos tempos" .Nosso povo ainda está longe demais das capitais, por isso  chamam as vias urbanas de estrada, se bem que algumas delas devido ao estado de conservação ,estão piores do que uma vicinal qualquer ligando nada a lugar nenhum.Mas, deixemos o senhor alquimista de lado.Ele já tem adversários demais.

Volto ao chão.Vejo a cena e me vem à mente uma idéia homicida: e se eu fosse o motorista ? Obedecendo ao desejo dos pedestre mal educados, passaria por cima deles e depois fugiria, me apresentaria    com um advogado e me livraria do flagrante.Como seria réu primário , tenho endereço fixo e não represento perigo à sociedade, aguardaria o processo em liberdade.

Volto ao chão.Penso no julgamento. Não teria dinheiro para pagar um bom advogado.Não sou menor de idade , ao contrário dos pedestres mal educados .Sou cidadão da "sociedade nacional", portanto, pago os impostos. Sou do sexo masculino, heterossexual e como um animal qualquer tive que me declarar como " branco" no recenseamento do IBGE .Não existe a opção "híbrida". Não faço parte de nenhuma minoria.Não pertenço a nenhuma família tradicional.

Me criei na periferia e meus pais , retirantes nordestinos, vieram do seringal sem instrução escolar.Mas não eram violentos.Não eram viciados.Não tinham tempo para isso.Trabalhavam o dia inteiro para sustentar oito filhos.Preferi o trabalho ao ócio ou ao dinheiro fácil.Preferi a escola à inveja do que meus vizinhos ou conhecidos possuiam. Então, não posso alegar que sou vítima do sistema social.

Percebi, com gosto amargo, que ao contrário do que penso, não sou ético.Apenas temo a justiça que não me defende.Não existe estatuto para quem segue a boa regra.Se escorregar da fina e flexível prancha não há uma rede em baixo para aparar, em nome de uma reparação histórica e social.É isso que me impede de realizar o desejo daqueles ogros em forma de moleques, da mesma forma que me faz reduzir e parar um veículo na cor amarela do semáforo.A responsabilidade do que ocorrer será só minha.A sociedade não será a ré. Aliás , ela é injusta porque existem pessoas como eu.

Sigo , pesadamente, arrastando o pé pelo beirada do asfalto, já que nossa cidadela não tem calçadas e nem posso andar pelo meio da pista. Não é todo dia que se descobre que a lei só proíbe quem dela não pode fugir.Fora da lei , acima da lei e protegido contra a lei geral, o caminho é largo.porém não tenho vocação para andar nele. É só por isso que não devo atender meu ímpeto irracional. Não há vantagem pecuniária em ser correto. Você paga por ser correto. Então, como aquele pacato motorista, ficaria calado, seria ignorado pela lei que me restringe e seguiria em frente.Isto é ética ? Penso que não.Acho que é opressão pura ! Graças a Deus hoje estou caminhando, não queria está no lugar daquele condutor, coitado.

Repentinamente, tive que retornar ao chão.Acabou o asfalto, não tem calçada e me vi com os dois pés,dentro de um buraco cheio de lama, que me cobriu acima dos tornozelos.É para isso que paguei meu IPTU, rigorosamente todo o fim do mês em oito suaves parcelas de R$ 46,20. Pensei em ir à prefeitura para solicitar a devolução de pelo menos uma parcela , para me restutuir o prejuízo pelo par de sandália que não conseguí resgatar da lama.Entretanto, fui compelido a desistir do intento por dois motivos éticos: A minha sandália não valia isso e a prefeitura não tinha culpa de eu andar pensando, com a cabeça nas nuvens e os pés no chão.Era minha obrigação saber que alí tinha um buraco.Ademais, graças a Deus que não estava de carro, pois a suspensão é bem mais cara. Coitado daquele pacato motorista.Viva a iniquidade !

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