segunda-feira, 11 de abril de 2011

O SENHOR DO TEMPO DO ALTO JURUÁ



Passando pela Siqueira Campos, já próximo ao cruzamento com a Getúlio Vargas, no centro de Cruzeiro do Sul, deparei-me com a inusitada figura de um bode, em um quintal baldio de propriedade do Exército Brasileiro. Trepado no velho  tronco de uma árvore , ele parecia "adivinhar a chuva"  que cairia por toda  a tarde de sábado.

Aquela pose de bode adivinhão, fez emergir em minhas ideias um causo, já há muito esquecido, contado-me por um agora distante amigo  em noites de antigas carraspanas, quando meu  _  ainda jovem, organismo suportava o gosto e o cheiro nauseabundo das bebidas alcoólicas.   

Narrou sobre o adivinha do Alto Juruá.  Corria início da década  de 80. Uma equipe de pesquisadores da UNB-Universidade de Brasília, estiveram na região mais precisamente onde hoje está situado o município de Marechal Thaumaturgo. Vieram gastar verbas federais em diárias, para realizar estudo de necessidade imperiosa para humanidade. Vieram estudar a cor das fezes brancas das Formigas-Que-Cagam-Azul.

Subindo o rio Amônea em um sol e uma lua, ficaram hospedados na casa de um senhor do qual o nome não mais recordo, mesmo ele sendo o persona principal do enredo. Pois bem. Abancaram-se e resolveram que no dia seguinte, bem cedo, sairíam à procura das tais formigas .

Já pela manhã, no quebra-jejum, o dono da casa aconselhou:

_ Fosse vocês num ia. Vai chuver o dia todo. E essas furmiga num gosta de dia de chuva, não...

Os mestres catedráticos  entreolharam-se , e calados, continuaram a comer as iguarias derivadas do milho. Um pouco mais tarde, quando sol já estava no alto, viram que o céu amazônico era um anil só. Nem brancas e nem negras nuvens. O velho havia se enganado. Decidiram sem tempo partir rumo ao local onde o objeto de estudo existia em abundância.



Demoraram uma hora subindo um igarapé e mais outra andando em caminho de antiga estrada de seringa . Finamente, chegaram ao destino. Só aí perceberam que o tempo havia se fechado. E tome-lhe generosa chuva amazônica, daquela de fechar olhos de sapo Cururu. O dia todo e nada de uma única formiga entre as folhas em decomposição no solo.Desolados, voltaram, ainda em baixo de chuva, para a casinha



 Outro dia amanheceu nublado com finíssima chuva. Encolhidos estavam os pesquisadores, quando o velhinho na altura de sua inteligência, palpitou:

_  Hoje vocês vaum ver furmiga. Mais tarde o sol vai tinir pelo dia todo. É dia de galinha se espreguiçá e pegá calô para aguentá frieza da noite.

Eles, munidos de conhecimento de anos de estudo baseados na experimentação e rigor científico, mais uma vez não acreditaram na previsão. Não deu outra. Depois das nove, o sol brilhou de fazer rachar a lama na beira do rio. Mais um dia perdido sem pesquisa.

No início ainda desconfiados, passaram a seguir as previsões do sábio homem da floresta. Dias após dias, tendo o mateiro acertado praticamente todas as previsões ou pelo menos a maioria delas, não arrumaram outro jeito senão se render aos mistérios amazônicos, sem formulação de teses e antíteses. Nada na ciência moderna explicara tal fenômeno.

Depois de dois meses de pesquisa, concluído os estudos, tiveram que retornar à Brasília. Durante todo esse tempo de estadia não ousaram perguntar ao velhinho qual o segredo da adivinhação do tempo. Ele era de poucas palavras. Devia ser o preço a pagar pela grande dádiva. Então, era de melhor alvitre manter a fleuma com esse conhecimento milenar.

Entretanto, a curiosidade às vezes é maior que o respeito. Um dos professores, pouco antes de embarcar, chamou o velhinho no canto e mostrou-se  desesperado:
_ Meu senhor, meus tolos amigos acham que o seu segredo é que tens tem canal aberto com os espíritos da floresta. Eu, porém, sou um cético sem volta, não acredito nisso. Acho que o seu método é da observação . Como senhor faz ? É a direção do vento ? É um canto de alguma ave noturna, o coachar dos sapos ou outro bicho qualquer ? Por favor me conte e levarei esse segredo ao túmulo, eu juro !

Admirado, o ancião tira o cachimbo da boca:
_ Não meu fio, eu só oiço...
_ Ouve ? Quem ? O vento ? As folhas ? As águas ?

-Não, sinhô. Eu oiço aqui, ó.

E entrando na casa, apontou o velho rádio SEMP 65 no canto de um cômodo:

_ O novo homi do sirviço mitiorológico da rádia Nacional de Brasília, terra do sinhô, não erra uma. É tiro e queda , arre !
 

4 comentários:

  1. Marrapaz, Jairo, o bom e velho Semp. Meu avô tinha um desses. Vivia lá por debaixo da casa onde ele oficinava. Um dia nós quebramos o bicho para procurar os homenzinhos falantes. Não encontramos, mas aproveitamos aqueles tamborzinhos que tem dentro. Realmente o povo da floresta é esperto para essas coisas de meteorologia, e o rádio é o grande companheiro, o problema é que os coitados se iludem com aquelas mensagens anunciando passagens de TFD e acham que quem passa é "Deus". Tais "deuses e deusas" acabam levando o voto.

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  2. Em cima da bucha, sr.Franciney. E se tratando de bucha a gente nem precisa dizer o nome...

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  3. A cronica é perfeita tal qual o comentário. Parabéns.

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  4. A crônica é perfeita tal qual o comentário. Parabéns.

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