quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A DELEGADA E O CORAJOSO SEM SAÍDA

Imagem Internet

Contaram-me, quando eu ainda era morador do Telégrafo, que lá pelo final de década de 80, existia em nossa outrora Cruzeiro do Sul, uma lei ou norma judiciária que regulamentava o horário máximo de funcionamento de bares e clubes da cidade. Não recordo-me agora se eram às 22 horas ou se  à meia noite. Carece de confirmação.

Fiaram-me também que, à época, a polícia era comandada por uma delegada, hoje aposentada. E ela era uma agente da lei que atuava no estrito rigor da norma, durona no trato, de personalidade forte e olhar penetrante capaz de ler o escondido na mais cortinada parte da mente.

Com ela a conversa não fazia curvas. O malandro piava no ato. Muitos borraram as botas , obraram fino na cueca, só de pensar em encarar a delegada. Tome esculacho pelos maus-feitos, com timbre de trovão e as respostas viam dos seus interlocutores, no máximo como um fio de voz, mucha, quase não audível:

_ Sinhora ?

Tal qual  estava dizendo, em nome da tranquilidade dos cidadãos de bem _  alguns sem bem algum a não ser a vida _ a lei fora  imposta e teria que ser cumprida à risca. E a cada  fim de semana, estava a delegada e seus auxiliares em ronda pela cidade em busca  dos desobedientes à boa conduta.

E como a outrora Cruzeiro do Sul, atual Cidade-Luz dos trópicos, também, já naquela época,  era  Brasil, tinha sempre um espertinho querendo burlar o estabelecido legal.

Dizem que existia entre os bairros do Telégrafo e Remanso, um inferninho. Não lembro agora o nome, carece de confirmação. Só sei que era um clube típico da periferia de Cruzeiro do Sul daquela época : Um barraco de madeira, apertadinho, geralmente construído em um terreno alagadiço, o que fazia balançar o barraco,  literalmente, quando o forró comia no centro.

O jogo de luz era um show à parte. Na realidade eram lâmpadas fluorescentes, embrulhadas em celofane coloridos. Magicamente os sorrisos ficavam mais brancos e as roupas brancas se alvejavam ainda mais. E os CD's colados na parede ? Davam ares de modernidade ao salão. 

Mas voltando ao causo. O dono do clube para ludibriar a vigilância e a ronda, pôs espias nas duas esquinas próximas.Era só ver de longe a polícia e o funcionário corria para avisar o proprietário , que tratava de fechar o inferninho com todo mundo dentro e mandava parar o som, que era ao vivo. Tudo em perfeito sincronismo. Depois que a ronda passava, a festa voltava a rolar até alta madrugada.

E assim foi-se indo. Uma noite, porém, a festa estava tinindo e um dos vigilantes parece que tomou além da conta. O dono já contava seus lucros. O cantor animava a platéia, já em êxtase  cantando machinhas de carnaval no sotaque do cablôco:

" Se você fosse sinceria, ôôô,  Aurória...."

Animado, emendou de imediato outro sucesso :

" Eu quero me trepá num pé de côco, eu quero me trepá para tirar côco..."

Não deu tempo de terminar a frase. Neste exato momento a  caixa de som foi, abruptamente, desligada e do meio do salão, ouviu-se como o som do trovão ou um tiro de Doze, em alto timbre :

- Pois desça do pé de côco, agora ! A festa acabou. Esteja preso !

 Era a delegada e seus policiais. A quantidade de janelas e portas foi pouca para a quantidade de gente se acotovelando para empreender fuga. De repente da festa fez-se o vazio total com mesas e cadeiras de pernas para o alto.

Só ficou um homem, sentado, impávido, no canto do salão. A delegada se aproximou e disse : " bando de covardes, correram com medo de quê ? Eu só ia levar o dono. E o senhor ? Está de parabéns, é corajoso. Quem não deve não teme, foi o único que não fugiu. Não tem medo da lei, não ?

_ Tenho sim sinhora....
_ E então por que não correu ?
_ É que tô cum a perna quebrada e na confusão levaro  minhas moleta....

Mais um a obrar fino na cueca neste mundo cruel.



   

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