sábado, 21 de janeiro de 2012

NO TRONO DO BANHEIRO A (DES)CONSTRUIR UM CANALHA




Meu bravo e esforçado colega está chateado. " Viu o que fizeram comigo ?" questiona desolado. Uma pergunta retórica ?

O que dizer nestas horas ? Sou péssimo conselheiro, sou terrível e impaciente ouvinte. Ser sisudo, taciturno, é meu maior defeito e minha mais forte qualidade, ambiguamente. Não entrego facilmente o jogo. Minhas dores, as curto em silenciosa convalescença. Me surpreendo  alguém pedindo conselho qualquer.

Não, definitivamente não sou um bom conselheiro. Ainda assim, lutando contra a minha implacável natureza, respondi sua consulta com outra pergunta:

_ Sabes o que é um canalha ?

Como não obtive resposta de imediato comecei a fazer as seguintes considerações, baseadas na simples práxis _se há teorias, encontram-se perdidas em meio ao turbilhão de intertextualidades, do qual meu discurso inconscientemente se origina:

_ Pois te direi, o que é canalha. Um louco e sonhador é aquele que te surpreende. O canalha, ao contrário,    faz exatamente o que se espera dele: canalhice.

_ O canalha é aquele que nunca dorme, quando o seu propósito é de fazer valer a sua ignóbil natureza social.

_ Todo canalha é sempre covarde pois a guerra que trava não tem como ser perdida. Sabe ser porto seguro de sua fraqueza demasiadamente humana. A relação nem sempre é recíproca: nem todo covarde é canalha.

_ O canalha é aquele  que disfarça seu ignaro conhecimento sobre o mundo real, com pedantismo absoluto e explícito _ para ele, o outro, quando não ignorante, é o pedante. Ele teme o diferente. Tosco, tenta tolher as vozes discordantes, para sua mente tacanha, potenciais desafetos.

_ O canalha é sempre boçal (estou me referindo- também - ao  popular do termo)  no falar, no andar  e no cruzar das pernas na hora do sentar-se. A reciproca aqui também não se  assenta: ser boçal não significa, necessariamente ser canalha. Mas acredite, o canalha é sempre cheio de boça, em todos os sentidos.

_ Sabe o que é mais triste de tudo ? É que o canalha, diferente do que ocorre na ficção, nunca morre no final. No mundo real ele se regenera. Sua cara de pau é indestrutível. Além disso, ele é útil, pois representa bem a quem manda, a quem necessita do discurso com valor de "verdade".

Aí, o colega, desanimado ainda mais, me interpelou novamente:  " _ Então, o que a gente pode fazer? "

_ Queres mesmo levar adiante vossa vingança ? Pois bem. Tenho uma receita infalível.

_ Na ultima sexta-feira do mês, se for lua cheia, escreva o nome do coisa em folha de papel rosa. Ache um sapo, seja de qualquer espécie, ponha o papelote na boca dele e em seguida costure-a. Só não esqueça de pedir perdão a sua consciência, pois estará tirando uma vida....

"_ A do canalha ? peraí, estou chateado mas não quero chegar a tanto "

_ Claro que não. Estou falando do anfíbio. Se escapasse à boca costurada, jamais resistiria à tamanha peçonha posta entre suas mandíbulas ou sobre sua língua, pobre animal.

" _ Cara, agora você pegou pesado "

_ O que você queria, nobre ? Poderia te mandar afogar as mágoas na manguaça, mas tu não bebes. Poderia mandar entregar o caso a Deus, mas és torcedor do Botafogo, a caixa de entrada do e-mail da tua Providência deve está lotada, já.

" _ Tem certeza que você, em parte, também não uma espécie de canalha ?


_ Impossível. Primeiro porque o canalha é sempre inteiro, por completo. Ademais, falo agora olhando para um espelho. Não vejo um canalha. No máximo, um guache. Um canalha nunca será um guache. Será sempre gente superior, pessoa bonita, a não precisar dos anjos.

" _ Valeu, brother. Não adiantou de nada, mas foi bom falar contigo"


_ Espera aí, meu. Ainda não acabei, esqueci de dizer que o canalha também não sabe agradecer....

_ (............)

Voltei à insignificância de meu mundo, sisudo, taciturno.

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