sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Uma linha não tão tênue assim

Um dia como qualquer outro. Rotina diária a cumprir como " integrante da sociedade nacional " , um eufemismo para contribuinte compulsório.Vou a caminho do trabalho trafegando por uma bela rua de asfalto perfeito e o calçamento idem.Um logradouro comum na cidade do Trabalho e Cidadania.Guio uma moto , sem precupação de esbarrar em algum cão vadio que a qualquer momento pode saltar de dentro de uma dessas caixas coletoras de lixo, tão bem cuidadas pela administração municipal. É muita caixa para poucos vira-latas.

Repentinamente a cena:Um motociclista que trafegava um pouco à minha frente, solta um grito, obviamente abafado pelo capacete de visor fechado.Ele leva a mão ao pescoço, perde o equilíbrio da moto e cai.Naquela hora , aproximadamente às 07: 20 , a rua estava deserta ou com pouco movimento de transeuntes.Época das férias escolares. Não deu para perceber direito.Lembro que em ato contínuo e subconsciente fui em socorro do condutor.

Era um jovem senhor.Trajava uma jaqueta branca e azul que o identificava como integrante de uma classe profissional : os moto-taxistas.Completava seu traje uma calça jeans surrada e um tênis de marca famosa. A camisa branca que usava , sob a jaqueta , tinha mangas compridas que cobria os braços até o punho.Uma forma de se proteger do sol escaldante da região.

Como caiu de bruços, tive que virá-lo de peito para cima.Um sangue de um vermelho escurecido jorrava constante de sua garganta.Inutilmente tentava , de forma desesperada, estancar o sangramento, usando suas mãos de costas queimadas pelo sol. A vida, entretanto, escapava-lhe a grandes gotas, entre os dedos compridos.A aliança no Anular indicava ser casado.

Balbuciou algo.A mão trêmula foi até o bolso inferior da jaqueta e de lá retirou uma carteira e de dentro de um bolsinho secreto da carteira , uma foto. Essa era de uma criança do sexo masculino de aproximadamente 03 aninhos. Provavelmente seu filho, seu sobrinho,seu irmãozinho mais novo...Não deu para descobrir.Ele não tinha mais voz. Seus olhos paulatinamente foram perdendo o brilho.Lembrei- me daqueles que não acreditam na existência da alma.O que seria então aquele brilho que se esvazia junto com a vida ?

Olhei para a foto. A criança sorrindo cheia de esperança e alegria, estendendo os bracinhos para quem executava a fotografia.Veio-me a mente a letra de uma música de um conjunto de rock que diz " tudo o que ele deixou / cabia no bolso da jaqueta/ a vida quando acaba cabe em qualquer lugar " . Aquela criança não mais receberia seu abraço forte de pai, de tio , de irmão...

A tragédia acima pobremente descrita , por este inútil blogueiro , é , por puro milagre, uma ficção. Por puro milagre ,obra do acaso ou do imponderavel ,como queiram, a linha de uma pipa, untada de cerol grosso, atingiu o capacete na altura do queixo desse motociclista, personagem real e não escorregou direto para sua garganta.Decidiu o destino que a linha subisse até a viseira do capacete e lá ficou presa,danificando- a completamente.

O detalhe é que não tinha nenhuma criança ou adolescente no momento à beira da rua brincando com a pipa.Ela estava presa na copa de um pé de jambo e a linha atravessando a pista.Provavelmente deve ter vindo de longe, trazida pelo vento e perdeu altura no período noturno, repousando placidamente sem que ninguém interessado tenha visto. Como uma víbora ,dormitou a espera de uma vítima pela manhã.Brinquedinho inocente este.

Além dos buracos, cães,condutores de carro embriagados (os condutores não o carro )e outros motocicilistas irresponsáveis que fazem ultrapassagens proíbidas, ainda tem mais essa praga para nos atormentar. A vida as vezes fica à mercê de uma linha ou que desce ceifando-lhe-a ,ou que sobe dando-lhe-a uma nova oportunidade de prosseguir na rotina.Para evitar essa loteria macabra vou comprar uma daquelas anteninhas e seguir guiando pelas retóricas ruas perfeitas.Espero que o moto-taxista também.

2 comentários:

  1. A POLÍCIA TEM QUE TOMAR ESSAS PIPAS,ISSO É UM PERIGO.

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  2. Jairo:
    uma coisa que me revoltou foi uma vez que eu vi no SINTEAC(que portanto representa a classe dos professores) um sujeito preparando cerol a olhos vistos de todo mundo. Que belo exemplo!

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