Caminhava pela madrugada de sexta-feira, em uma dessas ruas desertas de gente, sem asfalto e de calçadas retóricas da nossa outrora Cruzeiro do Sul. Aproximei-me de uma dessas encruzilhadas empoeiradas da periferia. Meus pensamentos flutuavam na ideia de como são bons o silêncio, a solidão e o vazio. Ao menos vezes ou outras tantas.
Repentinamente, como do nada surge à minha direita uma estranha presença. Eu, homem prático, moderno e materialista senti o sangue congelar nas veias, minhas pernas pesaram, minha língua adormeceu na boca cerrada. Tive a sensação de ter todos meus pelos ouriçados.
A figura aproximou-se e me encarou. Parou depois de conseguir uma distância mínima. Dava para ouvir sua respiração, que fazia levantar levemente a poeira próxima a meus pés. Com voz baixa, disse num tom quase zombeteiro :
_ Trocas por demais o " C" pelos " Ç" , o que pretendes com isto ?
Passado o medo inicial, comecei a observar melhor o cujo-tal. Sua figura era magra, muito magra, quase desnutrida. Os cabelos eram desengrenhados e balançavam ao sabor do vento, descobrindo o rosto chupado e curvo, de onde sobressaíam duas grossas sobrancelhas que cobriam seus olhos fundos e meio estrábicos. Os brancos dos olhos estavam arraigados de sangue, cansados, sonados, mais ainda assim profundamente inquietantes.
_ Não acredito em você _ Rompi o silêncio. És uma criação dos homens de almas mesquinhas para amedrontar outros homens de almas frágeis e aprisionar estes aos dogmas do medo. És mais uma das fábulas a encobrir o verdadeiro culpado dos males que nos afligem. Não representas uma ponta da dicotomia, a outra face da moeda. Você não é real !
Abriu um grande sorriso. Vi que não tinha presas de fera. Aliás, faltavam-lhe quase todos os dentes. Não tinha os pés de caprino e tampouco chifres. Vestia, sim, a camisa de um time de futebol popular patrocinado por um banco também popular com o nome formado por três consoantes. E calçava chinelos- de-dedo na cor azul.
Enquanto ele, em sua canalhice, gargalhava, senti em seu bafo o azedo odor de bebida destilada e da mais vagabunda espécie. Parou de rir, fechou o semblante, cerrou os punhos e exclamou :
_ Cê é quem sabe !
Eu tirei o cinto, enrolei-o em uma das mãos. Estava a fim de ver o quanto era grosso o couro do capeta. Ele que me ameaçava, arrependeu-se em meio a viagem, diante da minha intenção de enfrentá-lo. Retrocedeu de imediato, porém já era tarde.
O couro de boi, cozido, cortou o vento e tiniu nas costas do ser. Este soltou um grunhido e correu desesperado. Desapareceu. E não foi em meio a uma explosão e tampouco restou fumaças com cheiro de enxofre, por entre as folhas de um bananal próximo. Ele fugiu de bicicleta, daquelas de barra circular.
Desceu uma ladeira,. parou no meio, olhou para trás e gritou : " Não tenho medo nem do diabo ! " , e sumiu na escuridão, restando apenas o rangido de uma velha corrente, carente de "óleo de máquina".
Creio que ele deve está contando aos amigos, do inimigo que enfrentou na madrugada de sexta. De como foi surpreendido com uma chicotada de fogo, que fez arder o seu couro e de como heroicamente reagiu e mandou seu adversário aos quintos do inferno. Os amigos devem está dando pouca credibilidade. Ninguém acredita em um pobre diabo.
Eu segui em frente em busca da tranquilidade do meu destino. Enquanto caminhava, veio em minha lembrança a última frase de Riobaldo em Grande sertões: veredas : " O diabo não há ! É o que eu digo, se for...Existe é homem humano. "
Quem quiser, que se fie nesta capciosa fuga ao demo dos erros. A mim só resta um Deus, livre dos homens e dos grosseiros, e demasiadamente, livros humanos. Resta-me também o meu cinto, de couro bovino, grosso e cozido, a pôr em fuga quem ousar desafiar minhas descrenças.
Os responsáveis por meus erros sou eu mesmo e minha finita visão humana. Durmam em paz.
Os responsáveis por meus erros sou eu mesmo e minha finita visão humana. Durmam em paz.
VOCÊ É BOM. DEVIA DIVULGAR MAIS ESSE BLOG, POIS FOGE DO LUGAR-COMUM. E CONCORDO COM VC: DEVEMOS TEMER MESMO É O HOMEM, QUE CRIA E DESTRÓI OS DEUSES DE ACORDO COM A SUA CONVÊNIÊNCIA. O MAL É A CARNE E NÃO O VERBO.
ResponderExcluirEu gostava mais quando o chá amargo da jurubeba era destinado ao coronel das barrancas. Aguardamos vosso retorno, açoitador de demônios !kkkkkkkk
ResponderExcluir